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Guarda como Título Aquisitivo da Propriedade.

Não sei se você já ouviu falar no Programa da Casa Verde e Amarela - L. 14. 118/2021, mas ele entrega subsídio para aquisição de imóveis para pessoas com renda de até R$ 7.000,00. Ou seja, abrange família de renda média que estão inseridas na classe média, quer dizer, essa lei pode ser utilizada por muitas pessoas que você conhece.

O que não te dizem é que nessa lei há duas regras: uma para o regime de bens do casal (que será tratado num outro post do blog) e uma regra para quem detém a guarda do filho(a) do casal e como isso impacta na propriedade do bem da família. Para entendermos melhor, transcrevo este artigo da lei.

Art. 14. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido, construído ou regularizado pelo Programa Casa Verde e Amarela na constância do casamento ou da união estável será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuadas as operações de financiamento habitacional firmadas com recursos do FGTS.

Parágrafo único. Na hipótese de haver filhos do casal e a guarda ser atribuída exclusivamente ao homem, o título da propriedade do imóvel construído ou adquirido será registrado em seu nome ou a ele transferido, revertida a titularidade em favor da mulher caso a guarda dos filhos seja a ela posteriormente atribuída.

Quer dizer, quem detém a guarda do filho(s) do casal, também terá a propriedade total do bem dessa família. Com este artigo percebe-se uma verdadeira mistura entre a relação dos pais para com seus filhos e a relação de poder que a pessoa tem com seu bem imóvel.

Por serem coisas distintas, vamos iniciar esclarecendo que a Guarda dos filhos se trata de Direito de Família, com grande carga emocional pois nada mais é que um poder-dever transitório com base não só na lei, mas no amor, afeto, zelo e cuidado sendo aplicado a ele a despatrimonialização do Direito Civil.

Já sua propriedade/posse, está no ramo de Direito Real, sendo uma relação de poder perpétua com a coisa baseada no seu patrimônio, que só pode ser desfeita pela renúncia, abandono, perecimento, desapropriação ou pelas formas mais comuns que são a venda ou doação.

Neste momento você já percebeu que o Direito de Família e o Direito Real cuidam de coisas muito diferentes. Por isso a redação deste artigo atribuindo à propriedade do imóvel do casal a quem detém a guarda da criança/jovem chama atenção pela confusão dos direitos.

Desde a Constituição de 1988, o foco do Direito de Família é retirar o caráter patrimonial da relação familiar para que o afeto seja o ápice buscando sempre o melhor interesse da criança nesta relação. Para tanto a nossa lei maior diz que a família é a base da sociedade tendo especial proteção do Estado.

E, com esta nova lei, estes esforços foram por água abaixo, pois mistura a situação do genitor guardião com a relação de poder deste com o bem imóvel. Quer dizer, a guarda, que é uma relação derivada do poder familiar, que o genitor tem de ter seu filho (a) consigo, criando e educando, passa a ser moeda de troca tornando-se um verdadeiro título aquisitivo da propriedade.

Desvirtua as duas relações: familiar e com seu bem. Vamos pensar sobre seu bem, sua relação de poder, que é perpétua com a coisa. No caso desta lei, quem detém a guarda, tem o direito à propriedade, porém se a guarda inverter, a propriedade também se inverte. Logo, trata-se de uma propriedade temporária, também chamada de revogável, que a causa da revogação é posterior a sua constituição. Ou seja, é uma propriedade frágil.

Com relação à Família, desde 2008 vem sendo estimulada a guarda compartilhada, quer dizer, aquela que os pais continuam compartilhando seus direitos e deveres sobre os filhos, não importando se ele(a) reside mais tempo com um ou outro, desde que o tempo de convívio e das decisões sobre a vida dos menores seja equilibrado. Quer dizer, vêm-se estimulando um diálogo responsável entre os genitores do menor, afastando, cada vez mais a ruptura desta relação.

Todavia, esta nova lei, quando trata da guarda como título aquisitivo da propriedade estimula o retorno da guarda unilateral que possui a figura do genitor guardião, que normalmente recebe um valor de título de pensão alimentícia para o menor e o genitor visitante, que como o nome já diz, apenas visita seu filho(a) participando pouco ou nada da vida deste.

Notem que a norma do Programa da Casa Verde e Amarela navega em águas contrárias a todo o esforço que as outras leis vinham tendo nas relações familiares, retirando o menor como centro dessa família (o melhor interesse da criança), passando ao interesse patrimonial gerir essa relação. Essa nova norma é contra a visão de despatrimonializar as relações civis numa junção de um Direito Civil-Constitucional.

Na prática, muitos pais, utilizarão desta artimanha para converter sua posse em propriedade não se importando com o melhor interesse de sua criança. Ações que deveriam correr nas Varas de Família, acostumadas com estes conflitos, correrão em Varas Cíveis com disputas possessórias ou até em Varas Federais quando a Caixa Econômica ainda estiver envolvida nesta relação.

Além de todo este desvio de foco da relação familiar para a patrimonial, me pergunto, e se o casal for homoafetivo? Como fica a regra do registro do imóvel preferencialmente em nome da mulher num casal formado por duas mulheres? Ou na regra da guarda atribuída exclusivamente ao homem num casal de homens?

Essa lei tem uma possível inconstitucionalidade por ferir diretamente normas da Constituição Federal tais como: igualdade entre homens e mulheres (art. 5º e inc I), direito de propriedade (art. 5º XXII, XXIII; art. 170, II e III) e a especial proteção do Estado atribuída à família (art. 226). Esta lei não traz nada de proteção, mas apenas estímulo à conflitos entre pais e filhos.

Bom, acho que deu para perceber o quanto este assunto é complexo e como atinge as relações familiares. Espero que tenham gostado e nos vemos no próximo artigo do blog.

 
 
 

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